Surto Psicótico: o que acontece com o cérebro, como tratar, é possível prever esse tipo de evento?
Especialistas da Holiste Psiquiatria esclarecem as principais dúvidas sobre esses episódios que frequentemente ganham os noticiários brasileiros
O relatório médico psiquiátrico sobre a mulher envolvida em um caso com homem em situação de rua em Planaltina, Distrito Federal, aponta para a “hipótese diagnóstica de transtorno afetivo bipolar em fase maníaca psicótica” da paciente. Em outro caso, o hipster da federal, o agente Lucas Valença, 36 anos, foi morto após invadir uma fazenda em Goiás durante um surto psicótico. Na ocasião, o policial afirmava que “havia um demônio” na propriedade. Afinal, o que caracteriza um episódio psicótico? Psiquiatras e psicólogos da Holiste Psiquiatria detalham esta espécie de crise psicológica que gera muitas dúvidas e preconceitos.
Rompendo com a realidade compartilhada
O psicólogo André Dória explica que o surto psicótico acontece quando o indivíduo rompe com a realidade compartilhada: “Se estamos numa sala e nós dois estamos vendo o mesmo vaso de plantas sobre a mesa, esta é uma realidade compartilhada. Já a pessoa em surto vive uma realidade particular que, para ela, é real. Por isso, é um equívoco tentar desconstruir o surto psicótico com argumentos racionais. Por exemplo: o indivíduo que acredita que tem um chip na cabeça, não vai ser curado com alguém tirando uma ressonância magnética e provando que não há nada lá. O paciente responderá que o chip é invisível. Estamos sempre perdendo a batalha quando vamos pela racionalidade”
Daniela Araújo, psicóloga, complementa que a convicção na lógica delirante é tamanha que a pessoa em surto é capaz e construir argumentos convincentes. “A pessoa que está em surto acredita fielmente que essa lógica delirante é realidade. O episódio pode ser desencadeado a partir de algum gatilho, algo que se escutou, se viu, experimentou, algo químico, e geralmente acontece porque a pessoa já tem uma predisposição. Na psicanálise se fala em “estrutura psicótica”. Durante o delírio, que é uma interpretação própria da realidade, a pessoa pode acreditar que é deus, que é famosa, que é casada com uma pessoa famosa, e a convicção é tamanha que ela pode construir ótimos argumentos”.
O psiquiatra Leonardo Araújo acrescenta que o sujeito em crise pode ter a sensação de estar sendo perseguido e observado o tempo inteiro, sendo tomado por forte sentimento de medo e insegurança. “Nestas circunstâncias, há elevado risco de suicídio ou de vir a agredir um terceiro, não por ser violento, mas apenas por estar se defendendo dentro da realidade distorcida em que está vivendo. Durante o surto, o sistema nervoso encontra-se em estado inflamatório, assim como se constata no coração em vias de enfartar. O tratamento visa trazer o sujeito adoecido para a realidade. Isto costuma variar, mas, via de regra, se faz com uso de medicações”.
O que acontece com o nosso cérebro?
Do ponto de vista médico, destaca o psiquiatra Kayo Barboza, o transtorno mental é uma condição que precisa de cuidado médico assim como um quadro de hipertensão, AVC ou qualquer outra condição clínica. “O surto psicótico é uma condição na qual há uma ruptura da concepção da realidade, por conta de uma alteração de neurotransmissores, sobretudo dopamina, que é comum a condições psiquiátricas, como esquizofrenia, mania e depressão, ou condições clínicas, como encefalite e delirium”.
Leonardo Araújo, por sua vez, aponta que é fundamental compreender os transtornos mentais a partir deste ponto de vista biológico e não meramente fruto das relações sociais para diminuir o estigma da doença mental. “Não há julgamento de valor quando se faz uso de medicação todos os dias para controle da pressão arterial, tireoide ou colesterol, no entanto, quando isto é para depressão, nota-se que o senso comum acusa o paciente com frases que são verdadeiros desserviços, como: seja forte; é só uma fase; será que você precisa mesmo disso?”.
O estigma social é loucura
O surto psicótico é comum na rotina de profissionais de saúde mental. No entanto, ganham notoriedade pública apenas quando há reações drásticas, muitas vezes com questões legais no circuito, ou grande comoção social. Isso, somado ao estigma da loucura, gera desinformação e medo, o que alimenta ideias e abordagens equivocadas sobre o tema. Para o psicólogo Pablo Sauce, o assombro que o transtorno causa também acontece porque ele é como um quadro que reflete o que não gostaríamos de encarar sobre nós mesmos: “É como se funcionasse como um espelho que nos devolve uma imagem de nós mesmos que nos causa horror e espanto, ao denunciar a fragilidade da razão humana. De pronto, o familiar se torna estranho, ameaçante”.
A psicóloga Daniela Araújo pondera que muitas vezes os sintomas não afetam apenas o sujeito, mas o meio em que vive. Assim, esta perturbação perpetua o estigma. “Às vezes, o sintoma que o psicótico apresenta perturba mesmo aquele que escuta o delírio; é comum encontrar pessoas que não toleram o surto. No entanto, acredito que o estigma está diminuindo à medida que o debate sobre saúde mental e o acesso a tratamentos crescem. As pessoas estão se permitindo pedir ajuda e isso facilita a compreensão de que todos podem ser acometidos por algum tipo de problema mental”.
Como combater a desinformação?
De acordo com os especialistas, o debate sobre os surtos psicóticos ainda está permeado de concepções equivocadas. O psiquiatra Kayo Barboza aponta que uma abordagem mais acertada nestes casos – tanto pela população, quanto pela mídia – seria tratar a pessoa como alguém que precisa de cuidados e não realizar juízo de valores, questionando seu caráter e eventualmente usando termos equivocados ou comparações incorretas, o psicótico não é um psicopata, são condições completamente diferentes, para citar um exemplo.
Para Claudio Melo, psicólogo na Holiste Psiquiatria, também é um erro comum associar o transtorno à agressividade. “Às vezes, se propaga que o surto leva a pessoa a ficar agressiva ou perigosa. Grande parte dos surtos psicóticos podem acontecer em silêncio e na maioria das vezes a agressividade, quando existe, se volta contra a própria pessoa. O surto na verdade é algo que se processa inicialmente em silêncio, o que presenciamos dele é sempre uma resposta do que vinha se processando há muito tempo”.
No entanto, como nos casos levados à imprensa nos últimos meses, podem acontecer episódios com consequências mais drásticas. Nesses casos, a psicóloga Daniela Araújo, reforça que é importante que os veículos de comunicação não ocultem a questão da saúde mental nesses casos. ”Em relação à imprensa, é importante citar as questões de saúde mental quando envolvidas em casos de homicídio, por exemplo. Não é passar a mão na cabeça, mas, como a mídia acessa grande parte da população, propor o debate para que as pessoas não caiam no julgamento imediato, na lógica do bem e do mal”.
O psiquiatra Leonardo Araújo salienta que no surto psicótico a pessoa está muito adoecida e perde a capacidade de entendimento e autodeterminação. “Ou seja, o indivíduo não consegue discernir o certo do errado e nem controlar sua vontade, respectivamente. Logo, caso cometa algum delito, deve receber tratamento médico, mesmo que de forma obrigada judicialmente, e não cumprir pena comum. Logo, o respeito aos portadores de transtorno mental é fundamental e salva vidas, enquanto a desinformação atrasa o tratamento, aliena e alimenta o sofrimento”.
O surto psicótico pode acontecer com qualquer um?
Em tese, a depender da perspectiva, qualquer pessoa está sujeita a um surto, porque não se sabe o que organiza o sujeito psiquicamente. “Há pacientes que nunca tiveram uma crise psicótica, mas que ao se separar em uma relação amorosa, perder alguém da família, perder o emprego, desencadeiam uma psicose porque aquilo que falta, naquele momento, é o que mantinha o indivíduo organizado psicologicamente. Lembro de um paciente que entrou em surto depois que parou de jogar tênis porque, para ele, jogar tênis era a válvula para descarregar a raiva”, conta André Dória.
Apesar disso, pessoas com transtornos psiquiátricos pré-existentes ou congênitos têm maior probabilidade de sofrer um surto psicótico. A psiquiatra Paula Dione aponta que o episódio pode ocorrer na esquizofrenia e outras psicoses semelhantes, mas também no transtorno afetivo bipolar, depressão com sintomas psicóticos e no transtorno de personalidade borderline. Entretanto, faz um alerta: “É problemático se referir a qualquer tipo de comportamento alterado como surto psicótico, isso acaba levando as pessoas a associarem o psicótico à criminalidade”.
É possível prever um surto psicótico?
O psicólogo Cláudio Melo comenta que, mesmo que existam sinais observáveis, o surto é proveniente de um processo de adoecimento que pode levar dias, meses ou anos, e não é possível prever com certeza quando acontecerá. “Por isso não podemos confundir o surto psicótico com uma reação de agitação diante de um perigo iminente ou uma situação de estresse extrema. Devemos entender que o surto psicótico, ao contrário do que a expressão popular define como “surto”, é caracterizado por uma perda parcial ou total da realidade”, destaca.
Pablo Sauce complementa que estes indícios quase sempre são percebidos somente após o surto, uma vez que são sinais discretos que escapam a um olhar desatento. “Porém, quando se faz uma leitura retroativa dos acontecimentos, é possível localizar os indícios que prenunciavam a crise. Na clínica psicanalítica é possível identificar os indícios antes de que um surto aconteça, e o trabalho analítico consiste em acompanhar o paciente de modo a evitar ao máximo a eclosão do surto”, define.
Já o tratamento é feito através de estratégias medicamentosas e abordagens multidisciplinares de suporte, geralmente necessitando de tratamento em um primeiro momento em ambiente de internamento, por se tratar de um espaço seguro e com acompanhamento profissional intensivo, explica o psiquiatra Kayo Barboza. “O transtorno mental, inclusive quando há um surto psicótico, é uma condição que precisa de cuidado médico assim como um quadro de hipertensão, AVC ou qualquer outra condição clínica. Isso é essencial para a qualidade de vida do paciente, uma vez que a abordagem precoce é um fator determinante na recuperação”.
Palavras finais: Uma experiência solitária
“O surto talvez seja o índice mais drástico de um transtorno mental. A ansiedade, por exemplo, não rompe a realidade compartilhada. Já o surto é a experiência mais solitária do sofrimento mental e, por isso, requer um cuidado especial. Um sujeito com crise de pânico consegue falar que está mal, que precisa de medicação; o psicótico, por sua vez, falará que é Deus e, aos olhos alheios, será taxado de louco e afastado. É muito solitário”, compartilha o psicólogo André Dória.
Para Daniela Araújo, também é importante ter em mente que essas pessoas também sofrem. “O problema não ocorre sem que os pacientes sofram. Muitas não percebem quando estão em surto, mas há, sim, uma grande angústia. Ainda é preciso dizer que os primeiros surtos psicóticos geralmente aparecem ainda na adolescência. Os jovens sofrem ainda mais por sentir algo esquisito, que não conseguem nomear e entender. Por isso, é importante notar os comportamentos estranhos que não são propositais e falar sobre Saúde Mental nas escolas”.
Ainda sobre a importância da comunicação, o psiquiatra Leonardo Araújo é enfático: “O respeito aos portadores de transtorno mental é fundamental e salva vidas, enquanto a desinformação atrasa o tratamento, aliena e alimenta o sofrimento destes cidadãos”. Quando o assunto é saúde mental, o tratamento começa com a informação. para mais informações, acesse: https://holiste.com.br/
Sobre a Holiste
A Holiste é uma clínica de excelência em saúde mental, criada há 20 anos pelo médico psiquiatra, Dr. Luiz Fernando Pedroso, sediada em Salvador, Bahia, com atendimento nacional. Na sede principal, localizada em Salvador, funcionam os serviços ambulatorial e de internamento psiquiátrico. A estrutura da clínica conta, ainda, com o Hospital Dia (destinado à ressocialização do paciente) e com a Residência Terapêutica (moradia assistida para pacientes crônicos), dispondo sempre de estrutura e tecnologia de ponta.
A instituição conta com mais de 200 profissionais, um corpo clínico composto por médicos psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, nutricionista, gastrônoma, dentre outros, com vasta experiência em tratamento de transtornos relativos à saúde mental. Para conhecer mais sobre os serviços da Holiste, acesse o site www.holiste.com.br.